No sertão é assim, de inverno a verão, quando o galo canta na madrugada os moradores da roça acordam muito cedo e enquanto as mulheres preparam o café, os homens caem na estrada, vão soltar os bezerros e tirar leite das vacas, outros se embrenham nas matas para cortar lenha, colocar ração para o gado, roçar mato, cuidar do galinheiro, da pocilga, dentre tantos outros afazeres, e nas minhas andanças em busca de mais elementos para o meu livro, parei na porteira de um sítio todo arborizado, contendo fruteiras de várias espécies e um pequeno jardim colorido ao redor da casa, então fiquei observando Dona Zica, esse era o nome dela que me falaram, mulher sertaneja nata, parteira afamada da região, sem papas na língua, estava sentada no terreiro da casa para catar uma cuia de feijão o qual estava dentro de uma bacia de alumínio, o mesmo ia ser cozinhado na panela de barro e no fogão de lenha, então tomei coragem e gritei: Ò de casa!
-Ô de fora, lovado seja Nosso Senhor Jesuis Cristo!
-Para sempre seja louvado, respondi.
-Pode entrá e se achegue aqui nesse banquinho, assim o fiz, entrei, cumprimentei a mulher, sentei no banquinho ao lado dela, ofereceu-me uma xícara de café que aceitei de bom grado, e passamos a conversar sobre o tempo, a vida no interior, enfim, de tudo um pouco, mas de repente, sem levantar os olhos, ela grita chamando um dos filhos:
-Zezin, vem cá, meu fio, corre buscá água no barreiro pra mode encher os potes e cozinhar pra esse povo! O rapaz sai, e nessa hora ela fica remuendo nos pensamentos: Vige do céu, esqueci de comprá um pedaço de jabá pra temperá o fejão...E lá vai ela, de novo a gritar chamando o companheiro chamado Sebastião que está a uns cinqüenta metros da casa, de cabeça baixa, ajeitando uma cerca de arame farpado, e o grito ecoa no ar,
-Tião!
-Oi, muié, o que tu qué?
-Quero que tu vá na budega!
-Fazê o que na budega, muié?
-Comprá um pedaço de jabá pra mode temperá o fejão e nois temo visita, tu vai!?
-Tá bom, eu vou já, tenha carma! O tempo passou e nada de Sebastião chegar com o pedido da esposa, porém algumas horas depois, já arretada da vida dona Zica grita pro marido da porta da casa.
-Tião, fi duma égua!
-Fala, muié danada!
-Tu fosse na budega comprá o que eu pedi?
-Ara, fui sim, sinhora!
-E cadê que tu num veio me trazê?
-Mai eu comprei, cabôca veia, tá aqui!
-E tu pagô ou mandô botá na caderneta?
-Craro que paguei, oxente, ninguém me dá nada de graça!
-Trais aqui e me diz, quanto foi?
-Foi quinhentos contos de réis.
-Vige, e foi tão caro assim, homi?
-Tá tudo pela hora da morte, Zica! Dona Zica abre o pacote e lá não tinha a mercadoria que ela mandou comprar, já arretada da vida, aí o bicho pegou,
-Fi dessa, daquela outra, fi duma égua, eu num pidi isso não sinhô!
-Oxente, vige Maria, e o que foi mermo que tu mandou eu comprá, muié de Deus?
-Ara, tu ta se fazendo de moco, fi da bixiga, me alembro qui mandei tu comprá um pedaço de jabá e tu, bicho véi, veio cum uma garrafa de prefume, ainda mai dum xero isquisito qui num gosto, vôte, apois agora tu vai comê fejão chirre pra mode apendê, cabra véi!
-Agora danou-se, discurpa eu, minha véia, esqueci de mim alembrá! Bem, eu vi a coisa tão feia que resolvi dar uma desculpa qualquer, me despedi do casal e saí dali mais ligeiro do que rapidamente, e esse era o retrato e o linguajar dos habitantes antigos que moravam nas redondezas da cidade.
Escritora Mj, em 09/02/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário